sábado, 6 de agosto de 2016

TRAVESSIA- primeiro passo


Passei boa parte do dia 16 de julho, um belo sábado, visitando as instalações do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB). Pra quem não sabe, Barbacena é minha terra natal, lugar em que vivi até completar 12 anos. Lugar que vive em mim, inventado e reinventado entre loucos e rosas. Ali, as rosas voavam e os loucos criavam raízes. Explico: as rosas eram pra exportação e os loucos eram importados, vindos de todo canto, vindos dos Gerais,geralmente pra sempre. A princípio vinham de trem, trem de doido. O Hospital é enorme, sempre foi, existia há tempos antes do meu existir, praticamente uma pequena cidade cravada na cidade, ocupando duas áreas relativamente distantes uma da outra. O manicômio era tão grande que até hoje ocupa parte de meu imaginário. Todos os domingos a caminho da casa de minha vó, em São João Del Rey, costumávamos passar na frente do velho hospital que a gente simplesmente chamava de “colônia”. Me lembro daqueles homens sem nome, de cabeça raspada a caminhar com suas roupas rotas na beira da estrada. Era comum. Não me lembro se eram homens de fato ou se eram mulheres. Me lembro das cabeças raspadas, da beira da estrada, dos uniformes rotos. Me lembro dos rostos rotos na estrada uniforme. Sempre à beira, os loucos. Eram loucos? Não me lembro...
De um ponto da estrada dava pra ver a torre distante.
Frio. Frio de maio, frio de julho, uniformes rotos. Na minha cabeça de criança aqueles homens viviam escondidos na torre em frente ao Parque de Exposição. Manicômio, enorme manicômio que vive na cabeça da gente. Torre pequena, quanta gente cabia ali?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Relato de viagem- Minas Gerais, Ouro Preto/Mariana- dezembro 2015.

Parte 1: Antes de ir... Sou mineiro, não daqueles que trabalham nas minas, lavras, catas ou jazidas explorando minérios. Sou mineiro, daquele que é definido como “natural” do estado de Minas Gerais. Nasci em Barbacena, lugar que costumo apresentar como uma cidade histórica que não deu certo. Próxima a Tiradentes e São João del Rey, ao contrário de suas vizinhas, não preservou seu patrimônio histórico e cultural. A impressão que tenho é que fez o oposto, apagando o que pode, mantendo-se fiel apenas às relações de poder e subordinada às famílias Bias Fortes e Andradas que se revezam a mais de 300 anos. O fato é ironizado e muito bem lembrando por Fernando Sabino no belo livro “ O grande mentecapto”. Barbacena é cortada pela antiga linha de ferro da extinta Rede Ferroviária Nacional S.A. – RFFSA. Das lembranças de infância carrego comigo as muitas tentativas de contar os vagões de trens que cruzavam a cidade dia e noite carregando minério. Bem me lembro que sempre perdia a conta. Mal sabia naquela época que era por meio desses trens que Minas sangrava. Ainda sangra. O minério de ferro é um “commoditie”, uma palavra inglesa que significa “mercadoria”, usada para definir o que costumávamos chamar de “matéria prima”. Produtos de origem primária, praticamente em estado bruto , explorados e vendidos em grande quantidade para o mercado internacional e com preços determinados por jogadas desse mesmo mercado. Minas é grande. Minas é Gerais. Qualquer desavisado da História que visite Minas com um olhar mais atendo percebe que o estado é cheio de riquezas, que no (do) fundo só faz aumentar a pobreza e a dependência. Assim foi, assim é! Esse é o caso de Mariana e de outras cidades que se espalham pelos Gerais. Adentrando os sertões de Guimarães Rosa, isso fica mais claro, tantas são as cidades com nomes de pedras, minerais, gemas, jóias: Turmalina, Diamantina, Ouro Branco, Ouro Preto, Berílio, Lavras Novas, Catas Altas... Mariana, cidade colonial, primeira capital de Minas Gerais, localizada a 12 kilômetros de Ouro Preto ( antiga Villa Rica) e aproximadamente a 90 kilômetros de Belo Horizonte, atual capital. Teve sua origem e economia baseadas na extração de ouro e na agricultura. Trezentos anos depois, com cerca de 60 mil habitantes, a base de sua economia continua sendo o extrativismo mineral. O ouro se foi, o minério de ferro se vai . A economia da cidade cresce a medida em que se expande a atividade mineradora, e com isso cresce também sua dependência. No dia 05 de novembro de 2015, Mariana entrou mais uma vez para a História, agora como protagonista do maior “desastre” ambiental que o Brasil já viu (viu?). Fiquei sabendo do rompimento da barragem pelas notícias de jornais e pelas redes sociais. Falava-se, sobretudo, da contaminação do Rio Doce. Fiquei impressionado com o que vi, o suficiente para querer ver de perto. No dia 16 de novembro convidei uma velha amiga dos tempos da minha passagem pela Biologia para visitarmos a região atingida. E para minha surpresa ela não só aceitou, como alugou uma casa em Ouro Preto, juntou a família, fez as malas , fechou contatos, abriu portas e partimos no dia 05 de dezembro, exatamente um mês após o desastre. Eu não fazia idéia do que encontraria ou se de fato encontraria!

domingo, 29 de novembro de 2015

menos cinco jovens negros vivos, mais um crime da Polícia Militar do Rio Janeiro!

Domingo, dia 29 de novembro, menos cinco jovens negros vivos, mais um crime da Polícia Militar do Rio Janeiro! ( Ao escrever essa frase fico com a estranha sensação de "déjà vu" ou, em outras palavras, do "já visto" , essa encruzilhada em que parecem se encontrar passado, presente e futuro, a história que se repete). E o pior, inevitável história. A mídia não perde tempo, ao noticiar a tragédia - faz questão de apontar os culpados, não se precipite achando que são os policiais. Ora, os culpados são as próprias vítimas é preciso deixar isso claro. Ao descrever os jovens é preciso desqualifica-los, reduzir as perdas, justificar os enganos. Em um pequeno trecho da matéria do jornal Extra lemos o seguinte: "A Polícia Civil informou que dois dos cinco jovens têm passagem pela polícia. Wesley tinha uma anotação criminal por tráfico e Cleiton, por furto." Não são jovens quaisquer, são negros, moradores da zona norte, Costa Barros, pra ser mais exato. O jornal destaca - dois deles são fichados, logo, não prestam! Nessa lógica, os outros três, por sua vez , também não prestam, afinal se prestassem não andariam com quem não presta. Certo? Cinco jovens negros dentro de um carro onde já se viu? É um "bonde"! Cinco jovens negros executados! Não existe policial mal preparado, pobres vítimas do despreparo! Isso é balela, o que existe é policial preparado para matar!

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A favela que não cabia na fotografia

No ano de 2001, quando eu ainda era um estudante do curso de jornalismo e com pretensões a fotógrafo vivi uma experiência que vale aqui ser relatada: Durante alguns meses fui estagiário em um grande jornal com sede no Rio de Janeiro. Nesse período procurava chegar o mais cedo possível na redação para acompanhar aqueles que eu considerava os “melhores” fotógrafos em suas empreitadas pela cidade. As editorias ligadas à cidade (Rio) eram as que mais me interessavam, as rondas, os casos policiais, as favelas, um certo ar de aventura. Certo dia, logo cedo, estávamos “na escuta” de um rádio da polícia que pedia reforço a outras viaturas para uma operação de emergência na Rocinha. Um grupo de policiais civis fora cercado por traficantes e estava encurralado em uma rua no alto do morro. Pegamos um carro e fomos até lá. Estávamos desorientados, sem saber para que local exatamente iríamos, outros profissionais da imprensa ainda não tinham chegado, o que nos serviria como referência. Por sorte, seguimos um grupo de policiais do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) que também acabara de chegar. Havia naquele momento uma grande tensão, não se sabia ao certo onde estavam os policiais encurralados e ouviam-se tiros ao longe. Era uma operação delicada e de risco. Pouca movimentação nas ruelas e nos becos, subíamos devagar. O repórter ficou para trás, prosseguimos apenas eu e o outro fotógrafo. O medo era grande, mas uma curiosidade ainda maior me movia. Aos poucos a “ordem” foi sendo estabelecida, os tiros cessaram; a chegada de mais policiais fez com que os “bandidos” recuassem. Ao longo do caminho fiz as fotos que “deveria” fazer, algumas prisões, apreensões, armas, nada além do clichê.
Mas trago comigo até hoje as imagens que eu não fiz e são essas as mais interessantes: a vida que seguia dentro das casas. A vida que eu via pelas portas entre abertas, pelas janelas. Mulheres fazendo comida, crianças preparando-se para ir à escola, senhores assistindo TV, velhas lavando roupa, gatos nas janelas. Eram de fato essas imagens que me interessavam. Aquela favela, a mim apresentada, embora numa ocasião não muito propícia, não cabia na minha fotografia. No dia seguinte as imagens que saíram estampadas no jornal eram a da prisão de alguns “traficantes” e a notícia de que os policiais haviam sido resgatados, o bem venceu o mal. E a favela ali representada foi reduzida mais uma vez a um espaço de violência, campo de lutas. Todos os moradores foram “apagados”, com exceção dos traficantes presos, que segundo os jornais se tornaram os legítimos representantes das favelas. Apagaram-se as histórias e as muitas narrativas. Fecharam-se as portas e as janelas.

domingo, 11 de maio de 2014

É PRECISO SIM, CHORAR SOBRE O LEITE DERRAMADO (Marcelo Valle)

Somos humanos ( ou deveríamos ser), mas também somos mamíferos, fato que nesse sentido , nos iguala aos morcegos, ratos, golfinhos e porque não dizer, às vacas. É justamente das vacas que vem a maior parte do leite que consumimos depois de “naturalmente” desmamados. E continuamos, pois, a explorá-las ao longo de toda a vida ( da vaca e da nossa): queijos, bolos, doces, cremes, cosméticos, iogurtes, gordura, trabalho, couro, chifre, ossos e até mesmo o mugido. Ora, mas voltemos ao leite. Embora existam controvérsias como sempre houve, ligadas às suas qualidades nutricionais, se ele nos faz bem ou faz mal, o fato é que o leite nos é quase sagrado, quase. Agora, imagine você , um certo senhor Jesus ensinando ao seus apóstolos a seguinte oração: “ O leite nosso de cada dia nos dai hoje...” Talvez tudo fosse diferente, talvez... As mulheres, as fêmeas de nossa espécie, nos dão a luz e isso nos bastaria para amá-las e dignifica-las por “longa vida”. As mulheres nos amamentam, nos dão leite e com ele fortalecem nosso frágil sistema imunológico, o leite materno nos é essencial. Opa, não poderia de deixar de dizer que, sobretudo o AMOR DE MÃE nos é essencial ( não no mesmo nível,claro). Mas, enfim, voltemos às vacas. Nascido em uma cidade de interior, onde os limites entre o rural e urbano eram muito tênues, me acostumei desde criança a ouvir casos de adulteração do leite ( de vaca), mas esses casos se limitavam às competições entre vacas produtoras nas exposições agropecuárias. Recentemente, mais uma notícia entre outras tantas me deixou chocado: a adulteração e o “reaproveitamento” de milhares de litros de leite estragados. Leite que foi quimicamente alterado utilizando-se , entre outros produtos, a soda caustica, elemento extremamente corrosivo. Longe das tetas das vaca, ironicamente nas caixinhas de “longa vida”, nossa vida vai sendo encurtada. Lembrei-me também do caso de diversas mulheres indígenas que vinham ( e talvez ainda venham) sendo sistematicamente envenenadas por agrotóxicos oriundos da pulverização dos campos de soja no Mato Grosso. O veneno absorvido pelo organismo dessas mulheres, muitas delas grávidas, era repassado aos seus bebês! Hoje é dia das mães , não é? Ligo a TV e assisto dezenas de homenagens, sobretudo vinda de Bancos, financeiras, lojas, empresas de cosméticos. A Televisão faz questão de me lembrar: compre, compre, compre, compre, compre, compre, você tem mãe FILHO DA PUTA!!!

terça-feira, 15 de abril de 2014

Um instante, Bresson!

Henri Cartier-Bresson (1908-2004), talvez o mais famoso dentre todos os “grandes fotógrafos” do século XX, ficou conhecido como o fotógrafo do “instante decisivo”. Bresson se dizia amante da pintura, do desenho e do cinema afirmava que essas imagens o ensinaram a ver. Também gostava de escrever e nos legou alguns textos sobre fotografia, talvez o mais famoso seja “O imaginário segundo a natureza” em que ele escreveu: Fotografar é prender a respiração quando todas as nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia; é nesse momento que a captura da imagem é uma grande alegria física e intelectual. Fotografar é por na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração Quanto a mim, fotografar é um meio de compreender que não pode ser separado dos outros meios de expressão visual. Ë uma maneira de gritar, libertar-se, não de provar nem de afirmar sua própria originalidade. Ë uma maneira de viver...Há quem faça fotografias previamente arranjadas e há os que vão à descoberta da imagem e a captam. A máquina fotográfica é para mim um bloco de esboços, o instrumento da intuição e da espontaneidade, a senhora do instante, que, em termos visuais questiona e decide ao mesmo tempo. (BRESSON, 2004:12) Bresson acreditava numa certa espontaneidade do instante, a lei natural ao qual o instante está submetido não é a da gravidade, e sim a da perpétua mudança. A configuração do instante só é percebida como nuance de sua passagem, lembra Lissovisky (2008: 80). O instantâneo fotográfico seria assim um divisor de águas (ou melhor, de tempos), o futuro da imagem e o passado das coisas e dos corpos. As coisas e os corpos têm sua temporalidade e é isso que angustia Bresson: De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa um momento preciso. Nós jogamos com as coisas que desaparecem, e quando desapareceram, é impossível fazê-las reviver... Para nós, o que desaparece, desaparece para sempre: daí nossa angústia e também originalidade essencial do nosso ofício (CARTIER-BRESSON, 2004:19).
BRESSON, Henri-Cartier. "O imaginário segundo a natureza" LISSOVISKY, Mauricio, A Máquina de Esperar: origem e estética da fotografia moderna/Rio de janeiro: Mauad X, 2008.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

RÁPIDO DESABAFO!!!

Tenho acompanhado de perto algumas manifestações ao longo dos últimos dias e produzido fotos tentando mostrar a diversidade de situações sem querer chegar a uma "verdade". Todas elas estão disponíveis para o uso de vocês ou de qualquer um que queira utiliza-las. Ontem, dia 22 de julho, por volta das 23 horas estava esperando um ônibus pra voltar para Niterói junto com um amigo. Fui " parado" por um policial de forma extremamente violenta e arbitrária simplesmente porque resolvi me aproximar de um grupo de cerca de 15 policiais que estavam dando uma "dura" em dois rapazes na rua das Laranjeiras, na altura das Lojas Americanas. Esse policial identificado como Marcos (nome que estava escrito na farda) se aproximou, me puxou pelo braço dizendo que eu estava com os jovens. Eu disse que era jornalista e estava fazendo o meu trabalho observando o trabalho deles, exercendo também o meu meu direito de ir vir. Imediatamente ele sacou uma pistola apontou para o meu peito e disse o seguinte em voz alta:_Eu sou polícia e vou te mostrar como polícia trabalha! Você é suspeito! Aqui você é suspeito! De costas pra parede, abra as pernas e fica de costas pra parede!!! ( Em seguida ele me deu aquela patolada básica). Mais uma vez eu disse que era jornalista e que estava com uma câmera para fotografar a chegada do Papa. Ele abriu a mochila pegou a câmera e mudou de tom.Outros policiais "bonzinhos" se aproximaram e perguntaram o que estava acontecendo. O tal Marcos me pediu os documentos. Entreguei minha carteira do mestrado da UFF, ele alterou a voz mais uma vez, agora com tom de deboche dizendo o seguinte: _ Essa identificação aqui não serve, tá me achando com cara de reitor? Essa aqui não serve! Mas eu tô vendo que você é um cara de bem e vou te liberar! Mas deveria te levar pra delegacia!!! Eu respondi: _Pode levar! Não fiz nada de errado! Qual o seu batalhão "amigo" Marcos? _ Tá querendo saber demais! Cala a boca que eu já te liberei! Vai embora, vai embora! Eu fui, entre a vitória e a derrota!