quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Casa da Cachaça


A Casa da Cachaça


Bar, bodega, boteco, birosca, botequim...de que forma afinal enquadrar a Casa da Cachaça? É sem dúvida um espaço singular, localizado na Rua Mem de Sá, na Lapa. Espaço em que a cachaça é o atrativo e ocupa o lugar de excelência. Ou melhor, ocupa todos os lugares. O espaço é pequeno e onde quer que se olhe estão as garrafas, em cascatas, penduradas como frutas, nas prateleiras, enfileiradas ou solitárias. Muitas cobertas de poeira, com o seus rótulos carcomidos, sinal dos tempos idos. Há ainda caixas cheias ocupando boa parte do corredor, espremendo os clientes contra o balcão. Não há quem passe por ali e não dê uma de curioso correndo tudo com os olhos, ou de valente, encarando uma dose da “branquinha”. Fundada em 1960, numa Lapa de outros tempos, pelo brasileiro aportuguesado, conhecido como “Seu Osvaldo”, que se intitula, com muito orgulho, de Caçador de Cachaça. Hoje com 79 anos*, não bebe mais, entretanto continua trabalhando e distribui aos seus clientes a carteira de cachaceiro. Se o termo cachaceiro é por quase todos considerado como pejorativo, visto como aquele sujeito que é dado ao uso imoderado da cachaça, ou que com ela se embriaga. Para seu Osvaldo é motivo de orgulho ser chamado de cachaceiro. Segundo ele, a casa da cachaça é freqüentada só por cachaceiros, não por pinguços. “O cachaceiro é o apreciador da boa cachaça, o pinguço é o que bebe até água misturada com álcool. Produto da terra, abençoada por Deus, a cachaça.”, diz ele.


Beber é, sem a menor sombra de dúvida, uma prática social comum, independente da classe a que se pertença: bebe o pobre e bebe o rico, não necessariamente a mesma coisa. Algumas bebidas são identificadas com certas classes sociais, exigindo a hora cera, ambiente e “etiqueta”, entrando no campo dos atos simbólicos. Uma coisa é certa, é preciso saber beber, um bêbado é sempre um bêbado, e por mais certo que esteja, já está errado por estar embriagado. Quem tem dinheiro pra tomar uísque tem dinheiro pra tomar cachaça, no entanto a recíproca não é verdadeira: quem tem dinheiro pra cachaça, não tem para o uísque. Explico: a cachaça rompeu a barreira do social, o cachaceiro não. A cachaça está na mão do pobre e do rico, embora nem sempre tenha sido assim , não por uma questão financeira, mas por uma questão de status. Durante muito tempo, beber cachaça era mal visto, bebida do negro escravo, “foi quem primeiro usou a cachaça como cataplasma para seus males, não somente do corpo como também do espírito”, escreve Mário Souto Maior. Também conhecida como cobertor de pobre, bebida das camadas populares, trabalhadores do campo e da cidade, barata. Aos poucos foi tornando-se a bebida nacional, deixando a senzala, a cozinha da fazenda, a casa do pobre para virar produto de exportação, e por que não dizer “bem cultural”. Afinal, quem é o cachaceiro? O ato de beber cachaça sempre foi associado à embriaguez e ao vício, à pobreza e às más companhias, no entanto há quem reivindique o título de cachaceiro com muito orgulho, com direito a carteirinha e tudo. A Casa da Cachaça reúne grande variedade de cachaças e cachaceiros. Que tipo de relações se estabelecem ali? Existem regras? Como se consome? O que se consome?
Vale ainda colocar aqui, que mesmo sendo tão popular, a “branquinha” ainda guarda algo de exótico, rica em nomes e variedades, seus rótulos são verdadeiras obras-primas. Trazem ali representados diferentes tipos e aspectos do Brasil, mais do que isso são representantes legítimos do saber e do humor populares. Giram em torno da cachaça milhares de histórias, músicas, poesias... senhora dos mil nomes, rainha dos sinônimos, tem até dicionário próprio e está literalmente na boca do povo.
*Dados coletados numa conversa com seu Osvaldo no dia 25 de novembro de 2004, às 17 horas e 28 minutos.

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