sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O FOTÓGRAFO Manuel de Barros

O FOTÓGRAFO
Manuel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Por fim, eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CIRCO PALOMA 4: ZÉ MIÚDO E CORCOVA

Tem muita gente que já viu leão pelo sertão, mas disse que era suçuarana pra não ficar com fama de louco ou de mentiroso. Tinha pelo menos uns quatro entre Juazeiro e Paulo Afonso, tudo solto. Fugido de circo, comendo cabras e cobras. Corcova era um deles.
Zé Miúdo era grande, se virava de qualquer jeito. Tanto se virou nessa vida, que virou contorcionista. Numa tarde, viu um leão, mas disse aos outros que era suçuarana. Viu de novo e de novo. O leão rondava o circo, sentia o cheiro de múmia, carne de sol. Juvenal. O mágico que perdera a magia há tempos, bem antes de encontrar Esperança, que ainda era criança, 12 anos, corpo de mulher.
Os olhos da Esperança eram retos, vazios, feito uma sala sem móveis com um único espelho, bem lá no fundo. Todos se viam como gostariam de ser. Difícil não se apaixonar, não se perder. O anão se viu grande, o leão se viu carcará, Zé Miúdo, miúdo.
Juvenal perdera a magia há tempos, há tempos já não se via. Esperança é que enxergava nele o caminho.
Corcova era um leão diferente, tinha um probleminha na coluna, uma curvatura, um apêndice, um cisto grande, uma corcova. Meio leão, meio camelo, desmantelo da natureza.
Zé Miúdo caminhava sem destino, até o destino colocar ele no circo. E no circo se virava. O anão era seu amigo, homem de muitas línguas.

sábado, 16 de outubro de 2010

SOBERANIA

Soberania

Manoel de Barros



Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.


Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Mauá na Praça



Num pedestal erguido
Mauá observa calado
um velho neon desbotado
dizem que está falido- o coitado!

Num cais sem marinheiros
as borboletas não voam mais
voam apenas as putas
e as notícias nos jornais...

_Nada mais, nada mais...
Reclama o músico frustrado!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Leia os muros!

Os homens inventaram as cidades, mas as cidades, por fim, reinventaram os homens. Erguemos cercas, depois muros que delimitam espaços e propriedades.
As cidades têm seu próprio tempo, envelhecem , se renovam. Os muros refletem essa dinâmica, trazem as marcas do tempo,dos conflitos, dos homens. Estive há pouco, no meio do mundo, que é dividido por uma grande muralha – ” a Muralha do Meio do Mundo.”



Fica na Paraíba, no Cariri. Ali, homens de outro tempo, anterior às cidades deixaram suas marcas, grafismos, com seu significado oculto no tempo. 700 anos? 1000 anos? Ninguém sabe ao certo.
De volta ao Rio de Janeiro passei a dar mais atenção aos muros e percebi que eles ganharam o ritmo das cidades e outras tantas funções que vão muito além de delimitar espaços e definir propriedades. Os muros definem também identidades e territórios ( lembrando que um território é um espaço, mas nem todo espaço é um território). Os muros são espaços de comunicação, de idéias, de arte e de conflito e disputas.
O que nos dizem os muros? É possível lê-los?
Nas cidades, a cor predominante é o cinza, nos prédios,viadutos,marquises e calçadas. Quebrando o monopólio do cinza, surgem os grafites reivindicando cores. Desenhos que interagem com pedestres e automóveis. Desenhos abstratos,
personagens, letras coloridas,”bombers”, lambe-lambe, cartazes, stencil. Palavras de ordem, de ironia, de amor, de inconformismo, que hoje estão ali, e amanhã já foram substituídas por outras palavras ou desenhos, por outros sentidos. Palavras de passagem, para leitores de passagem. E, como escreve Eduardo Galeano:”…somos muitos os que a cada dia comprovamos que as anônimas inscrições transcendem seus autores. Alguém, sabe-se lá quem, desafoga sua implicância pessoal ou transmite alguma idéia que lhe visitou a cabeça, ou desata a tomar as dores por si e pelos outros: às vezes esse alguém está sendo a mão de muitos”. E as paredes tornam-se assim a mais democrática de todas as imprensas.
Leia os muros! Escute os os muros!

HQ é coisa séria…



Neil Gaiman que me desculpe, mas tirei da gaveta um velho papel amassado e carcomido com um pequeno texto que escrevi há uns dez anos. Trata-se de uma adaptação livre, uma releitura, mal feita (e mal cheirosa) de uma parte de “Prelúdios e Noturnos”, do primeiro Arco da série Sandman, publicado no Brasil em meados da década de 90.

Sonho e Esperança são irmãos. Numa tentativa de desorientar a Humanidade, a Esperança foi raptada e separada do Sonho. Viver sem esperança é um pesadelo. Seguindo os rastros da Esperança (a esperança sempre deixa rastros), o Sonho chegou até as profundezas do Inferno. O Sonho tinha um nome, chamava-se Morpheu. O barulho era literalmente infernal, gritos de agonia e de dor tomavam todo ar. Ar?! Demônios, demônios, demônios de todas as hordas do inferno cercavam Morpheu, o mestre dos sonhos. Milhões deles em formação de batalha fitavam-lhe nos olhos. Olhares cheios de certeza. Um poderoso senhor do inferno levantou sua voz acima de todas as outras e, imediatamente, nada mais foi ouvido. Um silêncio também infernal. Esse mesmo demônio, cheio de ousadia, quebrou o silêncio e lançou uma pergunta a Morpheu:

- Você não tem nenhum poder aqui, que poder tem os sonhos no inferno?

Outra vez o silêncio…

A reposta veio em forma de pergunta, com a suavidade de um sonho e a força de um pesadelo:

- Vocês dizem que eu não tenho poder? Talvez tenham razão, mas dizer que os sonhos não têm nenhum poder aqui?

- Digam-me, perguntem-se…

- Que poder teria o inferno, se os prisioneiros daqui não pudessem sonhar com os céus?

Em seguida, nenhuma palavra foi ouvida, no entanto, a resposta foi dada. Lentamente, milhares de demônios baixaram seus olhares e suas armas, aos poucos o caminho foi sendo aberto.

Com passos firmes, o senhor dos sonhos prossegue sua jornada transitando livremente entre céus e infernos, afinal, sonhos e pesadelos são feitos da mesma matéria.

A humanidade com esperança acompanha os passos do sonho…

Bom Dia!


O dia está chuvento.Isso mesmo, com chuva e com vento.Faço um esforço danado pra levantar as pálpebras.
Banho, penso. Banho tomo, não pra me limpar, só numa tentativa de descolar as pálbebras. Tenho uma missão: dar bom dia a qualquer pessoa que passar por mim!

Ainda com preguiça, pego o elevador, por sorte está vazio, economizei um “bom dia!”.
Não por muito tempo, encontro a senhora antipática do 1003, aquela que nunca fala
comigo. Busquei no fundo da alma um “bom dia” radiante, com muito glitter.

Saiu sem brilho, baixinho, baixinho, cinza.
Ela não respondeu.

Dei um “bom dia” sincero ao porteiro, ao lixeiro, ao jornaleiro. Atravesso a rua para evitar algumas pessoas que vinham em minha direção. Dar “bom dia” é mais difícil do que parece, sinto como se fosse uma obrigação moral, não com o próximo, mas comigo mesmo. Algo como resgatar minha “humanidade” perdida na selva de pedra. Ando de cabeça baixa evitando a chuva fina, evintando pessoas. Numa esquina, numa grande poça d´água, vejo um reflexo, era quase eu, meio marrom. Enfim:_ Bom dia!

Raimundo: um conto Natalino




Brejo é um lugar alagadiço, cheio de lama.
Lugar onde vive o sapo.
O sapo pra quem não sabe é um bicho esquisito.
Vive meio na terra, meio na água.
Não tem pescoço nem rabo.
Sapo não fala,sapo coaxa!
Sapo não sabe fazer poesia.
Poesia é a arte do poeta.
Abstrata ou concreta.
Direta ou indireta.
Aparente ou discreta.
Pode ser presa a uma forma ou liberta.
Todo mundo é poeta!
Pra ser poeta não é preciso escrever,
basta transformar o que se sente e o que se vê em poesia.

Raimundo também vive no brejo, mas não é sapo.
Raimundo vive numa casinha cercada de sapos.
Raimundo engole sapos! Raimundo é pobre!
Pobre é quem não tem riqueza, pobre só tem pobreza.
Pobre é quem trabalha muito e pouco ganha.
Pobre é maltratado, explorado e esquecido.
Pobre não tem dinheiro.
Raimundo é pobre e , sem saber, é poeta!
É poeta porque sabe transformar tristeza em alegria.
Pobre também é gente…

Raimundo quando criança acreditava em Papai Noel!
Papai Noel sempre se esqueceu de Raimundo.
Raimundo cresceu e esqueceu de Papai Noel.

Papai Noel é rico, trabalha pouco e ganha muito.
Papai Noel é dono de uma fábrica de presentes.
É um velhinho gordo e contente.
Vive em um lugar frio, em outro continente.
É barbudo e usa roupa vermelha e quente.
Anda sempre carregando um saco de presentes.

Papai Noel caiu no brejo, lugar onde vivem os sapos e Raimundo.
Papai Noel , coitado, ficou atolado.
Papai Noel tinha muitos presentes pra entregar, ficou preocupado.
Chamou Raimundo e disse:
_Vai Raimundo, entregar os presentes.
Raimundo foi.
Papai Noel engoliu muitos sapos.
Nesse dia o pobre foi lembrado.
Raimundo girou o mundo.
E lembrou de todo mundo, não esqueceu ninguém.
Brejo,beco,mangue.
Viadutos, favelas, ruas…
Muita gente estranhou: que papai Noel diferente!
É magro, é sujo..é gente!
E naquele dia Papai Noel existiu pra todo mundo!

A Verdade existe



Inocentemente, em uma grande ilusão, alguém inventou o relógio achando que poderia marcar o tempo sem perceber que era ele que ia sendo marcado…

Uma hora da tarde.
Jovem Sebastião, amante do ócio e da filosofia passara toda a manhã sentado no meio fio com a cabeça baixa apoiada sobre os joelhos. Vagamente filosofava sobre o tudo e o nada. Assim, ele pensava em tudo e quase sempre concluía nada. Mas dessa vez foi diferente: o tudo e o nada são só possibilidades! Ergueu a cabeça satisfeito e levantou-se rápido. Mais rápido foi seu olhar que fisgou uma loira que por ali passava. Em apenas um segundo esquecera tudo o que filosofara e não sobrou nada. Em um ato incontido bradou:
- Ô beleza! Dessa fruta eu chupo até a caroço!
A loira fingindo-se de ofendida virou o rosto e mudou de calçada. Ele, coitado, sentiu um vazio de repente, uma certa solidão. Entrou em um bar, tomou uma… tomou duas… tomou três. Ao sair o mundo estava ligeiramente diferente, caminhando sem destino esbarrou em uma placa que assim dizia:

Promoção do dia: Respostas filosóficas por apenas 1 real“Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres”
Evangelho segundo João
Três horas da tarde. Entrou em um edifício velho, atravessou um velho portão, seguindo por um também velho túnel. No fim deste havia uma luz, sob ela iluminado, redundantemente, um velho ancião de barba longa que lhe deu as boas vindas.
- Senhor… Ia dizendo ele quando foi innterrompido.
- Não digas nada, já sei o que queres, apenas escute, verdades…
E assim começou a falar continuamente.
- Vivemos alternando momentos de loucura com momentos de lucidez, para cada um desses momentos uma verdade. Verdade é o que buscas, não? A verdade é um todo inseparável. Por mais longa que seja a noite, há dia e por mais longo que seja o dia, há noite. Entendes? A verdade pode ser una ou várias. A verdade de uns é a loucura de outros, confunde-se com a mentira e quase nos engana. Emana do coração e da mente humana. Muitas vezes justa, muitas vezes insana.
Com um sorriso maroto e um ar filosófico o ancião disse ainda:
- Logo a verdade estará acima de ti!

Quatro e dez. Sentindo-se enganado, Tião tirou do bolso uma nota amassada de um real e entregou ao ancião. Baixou a cabeça e tomou o rumo de casa. Casa não, apartamento.

Na entrada de seu antigo prédio um caminhão lhe chamou a atenção, alguém estava de mudança. Curioso, sem saber que sua vida é que estava por mudar, foi até o porteiro saber de quem se tratava.
- É uma Dona pro 303, respondeu o porteiro. Verdade!!!
- Eu, hein?! resmungou Tião.
Nesse mesmo instante, uma linda mulata abriu a porta do elevador pedindo ajuda para carregar uma caixa. Tião imediatamente se prontificou.
- Bela morena! pensou.
Era mais que bela. Seu nome… Verdade!
Largos quadris, seios fartos, lábios carnudos, manifestação do absurdo, Verdade. Nada mais que a verdade em si, carne, carne e osso. O tudo. Nova moradora do 303, acima do seu 203.
Tempos depois Tião amigou-se e dedicou-se à Verdade. Adeus vã filosofia. Nada de tudo, tudo de nada. Sonho da humanidade, a única e verdadeira Verdade que conhecera sua vida inteira!

Quem tem medo de Aranha?



Tecnologia social ou “tecnologia do improviso”?
Moro em Niterói e trabalho no Rio de Janeiro, o engarrafamento é certo para ir e para voltar. O fluxo é lento e contínuo, centenas de carros atravessam a ponte. Já chegando ao Rio, uma imagem sempre me impressiona, o pátio do porto lotado de carros novos, milimetricamente organizados! Carros, carros e mais carros…
Inevitavelmente uma pergunta sempre me vem à cabeça, com tantos carros novos o que é feito dos velhos? Imagino milhares de concessionárias fazendo promoções de “usados”, imagino periferias abarrotadas de ferros velhos e desmanches. Imagino mais engarrafamentos! No entanto, em pequenas cidades do interior do Brasil, de norte a sul, oficinas caseiras dão outro destino aos veículos usados. Ali, eles são transformados em pequenos utilitários. Veículos de carga utilizados nas propriedades rurais para o transporte e escoamento da produção. Em Alfredo Chavez, município montanhoso localizado no sul do Espírito Santo, produtor de bananas e leite, circulam centenas carrinhos batizados “Aranhas”. Somente as “Aranhas” conseguem subir as encostas íngremes e passar por terrenos acidentados onde são plantadas as bananas. O espaço do carro é otimizado para o transporte da carga e para o combustível. Geralmente, do lado do motorista vai o bujão de gás, atrás, numa carroceria improvisada, vão os produtos. Nem sempre é assim, existem muitos modelos personalizados ou “customizados” ao gosto do freguês. Do carro usado aproveita-se o chassi, motor e parte da lataria. No Oeste de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul veículos parecidos são utilizados no transporte de fumo, frutas e hortaliças. Em grande parte do nordeste milhares de veículos são adaptados para fazerem o transporte público, transporte escolar, mas isso é outra história….aguardem!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um velho Mercado


O atual mercado São Pedro, localizado na Ponta da Areia,Niterói, foi inaugurado em 29 de junho de 1971, vindo a substituir o antigo mercado de peixes, um conjunto de barracas e palafitas que avançava sobre o mar na Praia Grande (orla da Baía de Guanabara que costeava o centro de Niterói).

Ficava próximo onde hoje se situa o terminal rodoviário João Goulart, na avenida Visconde de Rio Branco, centro . Funcionou ali até o início dos anos 70, quando foram feitas obras para o aterramento da praia. Na época, o governo estadual decidiu transferir o mercado para um galpão do Ceasa, no bairro Barreto, gerando uma polêmica entre os barraqueiros que não aceitaram a transferência, pois ficariam muito longe do mar.

Organizados, os barraqueiros criaram uma cooperativa chamada "Comercial São Pedro", com aproximadamente 48 integrantes, que comprou um terreno nas proximidades do antigo mercado e custeou as obras do novo.
O antigo mercado era também conhecido como “mercado da palafita”, umas construções precárias e pobres, que atendiam a uma freguesia de baixa renda, “do povo”.
A classes mais abastadas compravam seus peixes nas peixarias de Icaraí. Os peixeiros, alguns deles estrangeiros (principalmente italianos e portugueses), eram então conhecidos como barraqueiros, estes eram considerados grosseiros, de linguajar rude, muitas vezes acusados de enganar a freguesia, vendendo peixe passado e trapaceando na balança. De acordo com alguns depoimentos, era comum, quando se comprava um peixe inteiro e mandava-se fatiar em postas, virem faltando alguns pedaços que depois eram revendidos.
Apesar da concorrência entre as barracas, havia companheirismo, eram solidários na mulher e na cachaça. Próximo ao velho mercado, havia uma colônia de pescadores, que era responsável por boa parte de seu abastecimento. Na época toda pesca era artesanal e muitos barcos entregavam o peixe direto nas barracas.
Quase todos eram católicos e até o final dos anos 60 era realizada uma grande festa para São Pedro, padroeiro dos pescadores no mês de junho. O santo deu nome ao mercado: Mercado de Peixes São Pedro!

Conversas


Vou até o barranco
e arranco
um pouco de argila.
Tento fazer um gorila, mas não consigo.
Faço um pescador que lança suas redes ao céu.
Ele pega algumas nuvens que logo se dissipam.
Espera a noite chegar.
Lança sua rede.
Pega algumas estrelas.
O céu ficou triste. Logo chove.
O argila amolece, o pescador se desfaz.
As estrelas brilham livres.
Aparece a lua.
Conversamos.
Ela me conta alguns segredos.
Segredos são segredos,disse a lua.

Quem se lembra da mulher Melancia?


Todo mundo estranhou quando viu aquele caminhão subindo a ladeira, ainda mais carregado de melancias. Para ser mais exato, 1500 frutas. Atrás do caminhão vinham oito viaturas do Bope, o que não era de se estranhar, pois eles sempre estavam por ali, a comunidade fora "apaziguada", o tráfico varrido. Desde 2000, a Tavares Bastos passou a ser uma espécie de campo de treinamento onde os soldados do Bope podem simular confrontos mais próximos da "realidade" das favelas. Desde então o funk sumiu!

Mas naquela manhã mais coisas estranhas aconteceriam. Um tempo depois escutava-se ao longe uma batida de funk, que aos poucos ia ganhando volume. Era ele, o temido caveirão que vinha subindo a ladeira. Mais parecia um trio elétrico. As pessoas curiosas saiam de suas casas e seguiam o veículo. Não é possível, o caveirão trouxe o funk de volta! Dos alto falantes do blindado o que se escutava era CRÉU...CRÉU...CRÉU...CRÉU!

O veículo estacionou em frente a Associação de Moradores, abriu as portas traseiras, e dele desceu a jovem Andressa. Vestidinho vermelho, curto. O funk continuava a rolar. A multidão eufórica gritava CRÉU...CRÉU...CRÉU...CRÉU! Rolaram também as melancias! Para ser mais exato, 1500 frutas rolando ladeira abaixo. Nem o Batalhão de Operações Especiais conseguiu deter as frutas. O chão estava todo coberto de vermelho, não dava mais para distinguir o que era sangue do que era caldo. A enxurrada descia o morro, as escadas transformaram-se em verdadeiras cascatas. Dos alto falantes do caveirão ainda se ouvia: CRÉU...CRÉU...CRÉU...CRÉU!

Corra que a polícia vem aí!



Todos os dias pela manhã leio apressadamente as manchetes dos jornais em alguma banca do caminho que me leva até o trabalho. Dou preferência aos jornais "popularescos". Hoje numa banca de esquina, em um rua qualquer de Botafogo, uma manchete estampava o seguinte: "Policiais matam 15 vezes mais na Zona Norte do que na Zona Sul".
Atrás de mim um policial com uma cara de desconforto e preocupação comentava o seguinte:_Pô, sacanagem! Já tão querendo aumentar nosso trabalho, vamos ter que trabalhar 15 vezes mais e o salário... ó!

Meu Gambá - O encontro


Não , não era nenhuma dessas raposas que a gente cativa, embora fosse também um profundo apreciador de galinhas. Na calada da noite vivia a visitá-las, criando alvoroço nos galinheiros vizinhos. Penas, sangue e casca de ovos espalhados pelo chão,além disso, nenhuma pista, rastro ou pegada. Chegou a ser confundido com o tal chupa-cabras, coitado.
Os vizinhos, assustados, não sabiam o que fazer. Montaram guarda, colocaram armadilhas e... nada! Chegaram até a consultar um ufólogo (os ETs estavam na moda).
Numa dessas madrugadas de lua cheia,depois de ter tomado muita Samanaú (cachaça de Caicó), voltei para casa escorando nos muros e tentando, a todo esforço, andar em linha reta, me deparei com “ele” pela primeira vez. Vi sobre o portão da dona Marieta, num contraluz ao luar, apenas uma silhueta. Longas e arredondas orelhas, corpo delgado, rabo comprido e fino. Era estranho e ao mesmo tempo familiar, meio gato, meio rato.

Gritei:_ MICKEY!!!

Assustado ele desapareceu nas trevas.

Dona Marieta, velha portuguesa, acendeu as luzes, foi até a janela e disse: _Ora, pois! Isso são horas?!!! Já estás meio grande para “ brincare” de Disneylândia rapaz!!!

Curta Curtis!


COMING TO LIGHT – EDWARD CURTIS AND THE NORTH AMERICAN INDIANS

DIR: Anne Makepeace, EUA, 85 min, 16 mm, 1999

Sinopse: (retirado do catálogo da Sétima Mostra Internacional do Filme Etnográfico)

O filme retrata a vida de Edward S Curtis, brilhante fotógrafo de Seattle que, entre 1900 e 1930, fotografou e filmou os índios da América do Norte. Os descendentes dos “modelos” de Curtis utilizam as fotos para fazer renascer suas culturas e explicar o que elas representam para os índios de hoje.

DO comentário:

Três fatores fundamentais marcam a História específica dos EUA no século XIX, a Guerra Civil, a “Conquista” do Oeste e a Guerra Hispano Americana (que estigmatiza o início do domínio norte americano sobre a América Latina). Um desses fatores, a Conquista, é de suma importância para o entendimento do trabalho de Curtis, que vivenciou parte de um períodos dos maiores massacres da América (1865-1890), o genocídio dos índios norte americanos que, apoiado pelo governo, se torna institucionalizado. Curtis inicia seu projeto de registro nos fins do século XIX, logo após o período dos grandes massacres. Ele talvez tivesse a consciência de que seu trabalho fosse o único registro desses povos. Quando inicia, muitos povos já haviam se extinguido, sido dispersos e divididos em reservas fora de suas áreas originais. A idéia inicial era de registrar fotograficamente todos os grupos indígenas norte americanos e fazer uma enciclopédia, mas ele acaba também se utilizando de câmeras de cinema tentando filmar antigos rituais até então nunca registrados. Não conseguindo, recria esses rituais em estúdio e lança vários filmes no mercado. Suas fotos, grande parte delas são influenciadas pelo Retratismo e Pictorialismo do século XIX. Hoje muitos antropólogos questionam o trabalho de Curtis embora reconheçam seu valor. Muitas vezes, principalmente quando ele parte para o cinema, seu trabalho parece ficar no limite entre a realidade e a ficção, conseguindo de uma forma diferente, diria até mesmo perigosa de atrair a atenção para um tema até então abominado na sociedade americana: a questão indígena.

Navajos, Tupinambás, Cheyennes, Guaranis, Siouxs, Apinajés, Kiowas, Pataxós, Aparahos, Bororos, Cherokees, Timbiras, Creeks, Aymorés, Mohawks, Goitacazes...

São uma pequena parte dos muitos Povos da América do Norte e do Brasil que guardam entre si muito mais do que origem, tradições e histórias, talvez compartilhem do mesmo fim, o fim assistido algumas vezes por Curtis. Uma história que se repete em toda parte... (será?)


O documentário segue uma narrativa linear mostrando que o trabalho e a vida de Curtis se fundem, induzindo durante algum tempo o espectador a ter um pensamento que se confunde com o do próprio Curtis, até que, em determinado momento, começa a trabalhar com elementos que geram um conflito interno. Um desses elementos é o questionamento da veracidade e da validade de seu trabalho, aquilo que era verdade torna-se verossímil. Abrindo espaço para a discussão tanto da fotografia quanto do cinema documental e sua suposta objetividade. Curtis parecia estar absolutamente envolvido por seu trabalho ao ponto de tentar reconstruir realidades que até então já não mais existiam, essa reconstrução é o limite com a ficção.

Conheçam a obra de Curtis!


Marcelo Valle

quarta-feira, 21 de abril de 2010

milton nascimento e chico buarque - cio da terra



O Cio da Terra

Composição: Milton Nascimento / Chico Buarque

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão

Ella Fitzgerald - Summertime



Summertime
George Gershwin
Composição: George and Ira Gershiwn

Summertime,
And the livin' is easy
Fish are jumpin'
And the cotton is high

Your daddy's rich
And your mamma's good lookin'
So hush little baby
Don't you cry

One of these mornings
You're going to rise up singing
Then you'll spread your wings
And you'll take to the sky

But till that morning
There's a'nothing can harm you
With daddy and mamma standing by

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Los Nadies- Eduardo Galeano


"Sueñan las pulgas con comprarse un perro y sueñan los nadies con salir de pobres, que algún mágico día llueva de pronto la buena suerte, que llueva a cántaros la buena suerte; pero la buena suerte no llueve ayer, ni hoy, ni mañana, ni nunca, ni en llovizna cae del cielo la buena suerte, por mucho que los nadies la llamen y aunque les pique la mano izquierda, o se levanten con el pie derecho, o empiecen el año cambiando de escoba.
Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada.
Los nadies: los ningunos, los niguneados, corriendo la liebre, muriendo la vida, jodidos, rejodidos:
Que no son, aunque sean.
Que no hablan idiomas, sino dialectos.
Que no profesan religiones, sino supersticiones.
Que no hacen arte, sino artesanías.
Que no practican cultura, sino folklore.
Que no son seres humanos, sino recursos humanos.
Que no tienen cara, sino brazos.
Que no tienen nombre, sino número.
Que no figuran en la historia universal, sino en la crónica roja de la prensa local.
Los nadies, que cuestan menos que la bala que los mata".

(El libro de los abrazos).